Monday, April 16, 2007

Uma última chamada.

O comboio estava ali parado…

Podem imaginar a cena como a de um filme, pois a multidão urbana estava, depois de despejada das carruagens, calada e imóvel, a imagem à nossa volta estava estática e a preto e branco.

Tu respiravas o meu ar e eu o teu. O frio fazia-o bailar em frente dos nossos olhos em danças brancas e rasgadas. As nossas mãos trémulas e gélidas, como as de um cadáver, davam-se numa espécie de cerimónia sagrada. E só as nossas pulsações, que latejavam em coordenação, acordavam as arestas de um silêncio há já algum tempo adormecido. Os nossos olhares falavam-se e partilhavam o mesmo reflexo de contentamento entre tons escuros de chocolate, enquanto que as consciências atarefadas e confusas se questionavam telepaticamente: será isto apenas um sonho ou o real? Não, não era quimera, a flor que desabrochava em pleno Inverno era a flor de uma despedida. O já desabrochar da saudade. Mesmo antes da partida. Quebrando o gélido silêncio, ecoou uma voz feminina pelas paredes da estação; anunciava as próximas chamadas pelos já gastos altifalantes cobertos de pó.Nem ousámos proferir palavra alguma, fosse ela desencorajar aquele acto já demasiado e suficientemente penoso. Beijamo-nos. Lembro-me daquele toque tímido entre os lábios, não querendo mostrar toda a ansiedade e desassossego. O sabor do beijo... o sabor interminável do beijo... eu não queria deixar os teus lábios agora que os tinha reencontrado, não queria perder a sua suavidade, a sua doçura.
Última chamada…

Tu apressaste-te, decidido, começaste a pegar as tuas pesadas malas, mas nesse mesmo instante voltaste a pousá-las no chão. Aquele impasse era ainda mais angustiante. Demos um último abraço. Eu não queria… as pulsações continuavam numa relação quase incestuosa de tão irmãs que eram! Conseguia soletrar o Adeus quando acariciavas com as pontas dos teus dedos os meus cabelos. Encostaste as tuas mãos frias à minha cara, estremeci com um arrepio. (Esse arrepio aconchegou-me tanto meu bem…) Beijaste-me. Seria o nosso último beijo por muito tempo. Aquele que nos momentos de solidão recordaríamos com melancolia. E este nosso beijo marcava agora a impaciência, a despedida injustiçada que ambos rejeitávamos a todo o custo. Os teus lábios foram provocando, desafiando a paciência da inocência, desafiando-me a ir contigo. Eu comunicava-te, de olhos fechados, em pedidos sem som que não te esquecesses de mim, que me escrevesses o mais breve possível. Tu parecias ouvir, tu parecias responder, e as tuas respostas tranquilizaram-me.

Aquelas tuas mãos abandonaram a minha face e o frio regressou. Sem dizer palavra, olhaste-me uma última vez e subiste carregado para a carruagem número 2. Nesse final de tarde não ouvi a tua voz. Nem tu a minha. Não me olhaste pela janela do comboio, não me acenaste sequer. Preferimos assim. A tua ida foi simplesmente anunciada pelo bruto estremecer dos carris e aí, toda a estação retomou ao seu tumulto comum.

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