Friday, April 20, 2007

Fez-me cinema.

O som do silêncio tornou-se ensurdecedor de tão constantemente irritante. Este programou no meu quarto uma espécie de bomba relógio em que a contagem parece não cessar. E já são 5:30…! Ggrrr! Perco-me entre ovelhas mal contadas e volto mais uma vez a dar-me por vencida, convenço-me que esta é só mais uma teimosa e singular insónia. Penso: "amanhã espera-me uma outra noite…" (como se me servisse de consolo!).
Experimentando então, diminuir as horas supérfluas desta dita "noite", levanto-me. O corpo fresco contraria a mente que ainda pede fervorosamente descanso. Em pontas de pés, muito sorrateiramente vasculhei as minhas coisas em busca de fácil distracção, tentando sempre não quebrar o silêncio, esse calado, que embebia o resto da casa. Fui surpreendida com algumas fotografias que me saudaram com um simples abrir de gaveta. Pareciam ser de pessoas que reconhecia, aquelas sãs expressões que sempre deliciavam a objectiva ocular, em cerimónias que brincavam e espevitavam a minha recordação. Espalhei todo o conteúdo no chão e fui separando com as mãos as que mereciam atenção primária. Porém houve uma, uma só, que me captou toda. Nessa, o papel fotográfico estava em branco. Olhei melhor e vi contornos distorcidos, desenhados levemente como que por um bico de lápis. Um cinza mortiço delineava aquilo que pareciam ser as linhas de dois rostos. O silêncio não me estava a deixar concentrar. Era demasiado barulhento! Mais atentamente olhava e menos me parecia revelar. E as fotografias! Essas outras, mortas e sepultadas no soalho de madeira, teimavam berrar quase tão alto quanto o silêncio.
Não reconhecia aquelas faces nem o lugar que como pano de fundo começou a surgir lentamente. Pareciam pinceladas de aguarela aquelas que transformavam o pálido papel numa gravura que impunha agora a saudade… Redescobrira enfim as duas caras, o local, o momento. O trago desta saudade era autêntica sacarose!
Olhei o relógio uma vez mais, este anunciava as ansiadas 7h!
Este silêncio ainda me embalava, mas já sem incómodo, entre sonoridades estridentes e acompanhado pela colectânea de memórias já esquecidas, oferecera-me o som e a imagem em simultâneo.
O silêncio fizera-me cinema.

1 comment:

Anonymous said...

You write very well.