Por mero acaso do destino, o seu número de telemóvel regressou-me às mãos e sem demora, combinamos sair a uma terça-feira, que segundo o horóscopo semanal (coisa que realmente não me acredito muito) seria o melhor dia daquela semana para os indivíduos do meu signo…
(“Ui, que eu já não o vejo faz tempo!”)
Em mim tremelicava aquele alvoroço de criança, queria ver se ele continuava o mesmo, se eu continuava a mesma e se ambos continuávamos na mesma enquanto tagarelávamos.
Lembro-me de brincarmos muito, até mesmo com os olhares, parecia que fazíamos frente um ao outro em determinadas situações. Eu gostava… Sentia-me mesmo bem ao seu lado… Libertava, de todas as vezes, a menina escondida dentro de mim. Ela já não espreita por mim há muito também, por isso é que a ansiedade de o ver era mais que a normal. Queria contactar de novo com o meu lado acriançado.
Sim, lembro-me da sua fisionomia um tanto desajeitada, muito alto e magro. Os seus olhos grandes, e escuros como a noite, que carregavam aquela expressividade toda entre o ingénuo e o franco.
Falávamos de tudo, partilhávamos as peripécias do nosso dia-a-dia e estávamos sempre ali quando um de nós precisava de um abraço… Éramos, sem dúvida, grandes amigos!
Combinamos no café onde a nossa turma se costumava reunir depois de um dia de aulas, o ambiente não mudou muito após estes anos. Quando entrei, dei de caras com um sujeito alto e bem constituído. Pensei, entre segundos “é ele”. Porém algo me deteve, este pegava entre dedos um cigarro: “Não, ele dizia-se incapaz de fumar…”; mas aqueles olhos não mentiam: ”Sim, é ele!”. Aproximei-me e cumprimentei-o. Falou-me calmamente: “Então Sara, o que é feito de ti?” e assim recomeçamos mais uma das nossas infindáveis conversas… Tinha “crescido” e de facto eu também. Os nossos lados acriançados deram mãos sim, mas de forma mais serena, madura. Nós mudamos inevitavelmente com a passagem do tempo, mas permanecemos com a nossa verdadeira essência guardada.
Apagou mais uma última ponta de cigarro e recomeçou a falar após humedecer os lábios. Ouvia-o atentamente… estava encantada! A sua inconfundível maneira de falar, tão precipitada e impaciente, e o seu português mal dominado davam ao seu rosto uma expressão levemente dolorosa. Posso até dizer que as palavras lhe esfolavam os lábios ao passar. Terminava mais uns dizeres e voltava a si, a mesma ternura, aquele seu ar naturalmente afável com que me olhava fixamente.
Sim, posso dizer que não mudou nada… e afinal, nem mesmo eu.
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