O esquecimento pontual de um outro fantástico acontecimento foi o meu primeiro sintoma, na altura aqueles pareceram ser simplesmente os melhores momentos que uma vida pode chegar a conquistar, foram capturados pela objectiva, e mantive-os bem chegados a mim, mas agora que quero memórias novas as lentes distorcem as fotografias. O contorcer dos rostos confunde-se com uma dormência fora do comum. Em vez de um sorriso se esboçar os lábios preferem desenhar um descontentamento tamanho que arrastam os seus cantos ao queixo. O flash nunca chega a disparar. Os olhos escondem-se, as mãos soltam-se, e o amor perde-se no ar. O coração desvanece-se em estilhaços. Então, ouve-se uma voz ao longe, uma voz de mulher, ela parece sussurrar, com uma voz límpida, terna e segura… Sussurra e canta suavemente as letras que a música de sempre tanto insiste em coexistir dentro de mim. Esta é a beleza do meu horror, uma melodia, curta, que só eu consigo escutar. Uma tensão sobe desde os meus pés até à ponta dos meus cabelos molhados, um suspiro rompe levando algum do fado que carrego. A roupa que trago vestida pesa-me toneladas. Estranho como estou no meio da rua e nenhum carro resolve aparecer. Que pelo menos esta chuva escorra de vez o que há de putrefacto para vazar. São cicatrizes que nunca vejo sarar. Esta chuva queima, corrói e faz-me renascer de fora para dentro. É o que eu quero. Sossego… ele vem ter a mim devagarinho, como uma criança com medo do Papão, ele resolve arriscar a visita as ruínas áridas que trago comigo desde que te foste. O sossego leva-me para casa. Aí não me lembro de muita coisa, do caminho que tomamos, dos rostos que vimos e dos olhos que evitamos. Lembro-me sim que não tive forças para arrastar o meu corpo ate ao meu quarto e optei por ficar deitada no chão da sala. De cara colada ao chão, como podia não sentir o frio?! Terei caído? O que me mantinha desperta era o barulho do relógio de pulso que a dada altura desistiu de se fazer ouvir. E depois veio o sono… Dormi. Acordei. Voltei a adormecer. Eu consegui finalmente voltar a adormecer após tantos dias sem pregar olho. E depois o sono já não me queria libertar, comecei a dormir melhor e durante dias seguidos, mas comecei também a acordar pior. Durmo cada vez melhor agora que já não penso na futilidade da saudade quando me deito, mas em contrapartida acordo cada vez pior, assim que sinto futilidade quando acordo e vejo que não existe uma rota para eu perseguir, mesmo de olhos vendados e pés descalços se for preciso, ate ao seu verdadeiro fim. Não existe vida por trás das paredes da minha redoma de gelo, não… e dia após dia convenço-me que não existe sequer qualquer vida dentro delas. Quatro paredes que só se mantêm erguidas para me ver cair, constantemente, dentro de mim. E aqui vou ficando, Outubros seguidos. Outonos que antes eram mais castanhos e mais doces... As folhas tinham mais cor, o vento era mais quente, o sol era mais brilhante e o silencio... esse... só me servia para as pequenas pausas das composições em que criava as deliciosas melodias e os contagiantes ritmos dos sentimentos. Entre risos e afectos, nutria-os de vida. Para que depois… eu própria pudesse viver.
1 comment:
Esta muito esplicito. Quase sentimos as essas paredes....MAs elas não estão ai para te ver cair em ti, apenas para te verem sorrir quando te levantas de mão dada.
Um bj e bom FDS
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