Paro o relógio de pulso. No último segundo tudo á minha volta pára. Um só segundo e eu entro em histeria compulsiva, um só pulsar e a minha mente passa para um outro nível, um nível de caos, onde a forma não respeita a cor e a destrói. Eu já nem sei se era cor, se era negro, ou se tudo passou a ser branco. Se aquilo era escuridão ou uma luz tão intensa que se tornava cegante. Com toda a certeza sentia-me contudo era uma estranha, o silêncio reinante embebia-me num estado de dormência. A mudez das vozes e a paragem automática de todos os corpos que na altura deambulavam naturalmente nas ruas apurava-me os sentidos. Olhei à volta, a cidade já não parecia a mesma, tudo desaparecera; as casas, os carros, as ruas. Mantiveram-se unicamente as pessoas, numa órbita tridimensional que desconhecia. Os rostos destacavam-se nessa dimensão incolor e infindável… nenhum deles reconheci até que vi o teu no meio das demais. A única cor que consegui definir naquele espaço foi a que trazias vestida. Eras tu no escuro, eras tu na luz. Parecia que nunca conseguia estar no mesmo sitio que tu, excepto quando enfim tentei dominar o tempo. Dominei o tempo, aquele demónio que sempre nos perseguia e dividia. Aproximei-me de ti, afinal sempre era capaz de me mover ao contrário de todos os outros. Fiquei a uns poucos centímetros de ti e tu olhavas-me estático, numa perplexidade mórbida que não mostrava sequer um mínimo sintoma de movimento. Toquei-te na face e senti calor. Beijei-te os lábios com saudade e senti a tua respiração. Existíamos ainda os dois no meio daquele cenário de vida morta. Existíamos e estávamos ali juntos! Era aquele o sítio, o sítio onde o corpo mata a alma. E tu nem assim me falavas. Nem por saber que estava próximo o caminho para o fim. “Amor, o silêncio não é o caminho certo… falemos que o céu está a chegar…”. Aqui, o corpo mata a alma, é aqui onde a alma morre para o politicamente correcto. A alma torna-se submissa e descrente, solta-se do corpo e fica a pairar no ar sem perspectiva de cair. Sinto uma calma a advir, uma calma ainda mais plácida que aquela que conseguia ver na estagnação e quietude de todo um segundo. “Ficas perfeito assim… tão tranquilo, sozinho e fiel. És encantador quando me és fiel… Sublime como um anjo.” Quando paraste ficaste com um ar de sorriso na face, um olhar terno e tão apetecível de uma doce inocência que desamarravas do teu corpo lentamente. Tu podias agarrar a minha alma com uma só palavra tua, só tu e só naquele instante, conseguias acorrentar-me a alma desobediente ao meu corpo para que pudesse eu voltar a acordar o relógio. Eu comprometia-me a consertar o tempo, fazê-lo desta vez jogar a nosso favor. “Dá-me uma palavra. Uma só palavra. Pode ser o teu perdão, porque eu acho que esse é o verdadeiro motivo da desertificação do meu ser.” Não me queria resignar e vaguear à deriva de um sentimento de culpa até ao resto dos meus dias. E é absolutamente surreal ter a noção de como tudo acontece num momento tão rápido, de como tudo ao mesmo tempo evolui para um processo tão lento e doloroso na própria rapidez e sagacidade do momento que até aí consegue ser demasiado fugaz! Eu acredito que é aí, aí mesmo que mostramos realmente quem somos, nessa fracção de tempo, nessa partícula do ápice, do instante que deixa saudades. Somos rebaixados em praça pública e pouco importa se os olhos que nos observam estão vidrados, que os corpos estejam paralíticos e que as mentes se encontrem paradas em colapso intelectual passageiro, o que importa é a vergonha que não deixa de se sentir, a vontade de se ouvir um perdão e acreditar que somos perdoados. A vontade de remediar e reconstruir o quebrado. É essa vergonha e pedido de compaixão, que vem da vontade que nos leva a contemplar a nossa própria morte física no cenário e momento que melhor idealizamos para ela. Culpa… redenção… arrependimento e expectativa. Voltar a acreditar na esperança e lutar por ela. Ser o melhor que conseguimos ser e pensar que tudo isso tem um objectivo ou um propósito. A verdade é que não tem, e foi precisamente por isso que não chegaste a falar. “Não vale a pena falares, já não quero ouvir mais nada. A nossa mente mente e eu não quero ouvir a tua.” A mente nem sempre fala o verdadeiro e o coração sente que a mentira é a verdade simplesmente porque assim o quer…
E assim morrem os amantes inocentes, cujos corações preferem nem ouvir.
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