Friday, January 23, 2009

Nas nossas Mãos.

Cegamente invado o meu lugar escondido, em bicos de pés, percorrendo com as minhas mãos calejadas as paredes frias, apalpando terreno sentindo o trago do inócuo medo passear-me pela saliva da minha boca. Acho que estou em casa, serão estas as paredes da minha morada? Tenho luzes que não se acendem e corredores que não chegam a lado algum e contudo, não me faz a mínima diferença. Tacteando e ensaiando os meus passos em danças vagarosas procuro certificar-me que a cada centímetro que alcanço, encontro cada singular palmo de terra que colmatou proveitosamente e abriu em chagas profundas a minha alma desarmada e incauta, chagas que engolem avidamente os resquícios de uma antiga passagem. Cercou-me a esta irreversibilidade caótica de que me sei capaz de palmilhar novos ou os mesmos trajectos de sempre, mas que por motivos de sanidade mental os prefiro esquecidos. Orgulho-me desse facto, mas não é o suficiente. Estico o braço no denso estio do ar rarefeito e sinto o tacto florear-se ao toque de pele de uma textura diferente da minha. As minhas pálpebras reagem e as pupilas dilatam, como se fossem capazes de voltar a ver naquele instante, os meus olhos.

Tenho a tua mão na minha mão e a mão do teu olhar que insiste em se afastar do vertiginoso toque da minha epiderme. Somos arrebatados pela violência discreta e sincera de quem não sabe o que fazer com tanto dentro das mãos! As respirações traçam-se. Estou cega, não estou muda e no entanto sinto a minha língua atada, cheia de nós incapazes de se amputar, pelo que deixo de conseguir falar, pelo que deixamos de falar. E porque sempre optas por seguir o que faço, ambos somos engolidos no mesmo vácuo do silêncio. De não saber o que dizer a tanto que se tem de dizer perdemo-nos ali mesmo, no mesmo lugar, no mesmo chão, lado a lado e ainda assim tão longe! A tua mão não me guiou a eixo algum e eu quis parar. Aninhei-me no chão e senti que fizeste o mesmo. As nossas mãos, numa só, aparando as arestas das distâncias intransponíveis e delineadas por nós próprios num simples lance mestre de inexperiência. Nas nossas mãos… a nudez.

A nudez de tantos corpos sem fim. Já não eram somente os nossos, eram vários e de discrepantes formas e feitios. De não saber o que fazer a tanto corpo espalhado sobre todas as divisões desta casa, sobre os corredores, sobre os tectos e sobre o chão paramos! Sem início e fim. Partes em partes, sem parte alguma. Sem corpo que se pareça com o nosso. Juntos ou separados. Parece que ao calar engolimos um fantasma que sabe todas as moradas dentro de nós e acabamos assim por nos perder um do outro. Os seus dedos brancos e longos escutam as nossas falhadas promessas que já não dizemos. Um ao outro. A ninguém. Não há, deixou de haver. Alguém. Tanto silêncio para tanto corpo junto… Apesar de sentirmos o luar banhar-nos pela mesma janela, não sabemos o fim ao resto e perdemo-nos no início.

1 comment:

Edu said...

na mesma janela e com duas pessoas sobre um telhado vazio.
Gostei muito deste..