Sunday, January 25, 2009

O Amor é um Buffet.

Triste é ver que agora o amor é uma espécie de buffet, olhamos à volta, tiramos o que queremos e deixamos abandonado, numa qualquer prateleira, o que não nos interessa.Como há muito produto para este novo tipo de clientela, a escolha é fácil e rápida. Não há tempo a perder! Como em tudo. O amanhã chega rápido demais e aí já estaremos preocupados com uma nova selecção...


Bem, só vejo uma vantagem, aqui dificilmente se formam filas.


Nota: este post é repetido, visto já ter escrito isto há cerca de dois anos, contudo nunca é demais repetir. Esta "nova geração" consome-me... literalmente!

Friday, January 23, 2009

Nas nossas Mãos.

Cegamente invado o meu lugar escondido, em bicos de pés, percorrendo com as minhas mãos calejadas as paredes frias, apalpando terreno sentindo o trago do inócuo medo passear-me pela saliva da minha boca. Acho que estou em casa, serão estas as paredes da minha morada? Tenho luzes que não se acendem e corredores que não chegam a lado algum e contudo, não me faz a mínima diferença. Tacteando e ensaiando os meus passos em danças vagarosas procuro certificar-me que a cada centímetro que alcanço, encontro cada singular palmo de terra que colmatou proveitosamente e abriu em chagas profundas a minha alma desarmada e incauta, chagas que engolem avidamente os resquícios de uma antiga passagem. Cercou-me a esta irreversibilidade caótica de que me sei capaz de palmilhar novos ou os mesmos trajectos de sempre, mas que por motivos de sanidade mental os prefiro esquecidos. Orgulho-me desse facto, mas não é o suficiente. Estico o braço no denso estio do ar rarefeito e sinto o tacto florear-se ao toque de pele de uma textura diferente da minha. As minhas pálpebras reagem e as pupilas dilatam, como se fossem capazes de voltar a ver naquele instante, os meus olhos.

Tenho a tua mão na minha mão e a mão do teu olhar que insiste em se afastar do vertiginoso toque da minha epiderme. Somos arrebatados pela violência discreta e sincera de quem não sabe o que fazer com tanto dentro das mãos! As respirações traçam-se. Estou cega, não estou muda e no entanto sinto a minha língua atada, cheia de nós incapazes de se amputar, pelo que deixo de conseguir falar, pelo que deixamos de falar. E porque sempre optas por seguir o que faço, ambos somos engolidos no mesmo vácuo do silêncio. De não saber o que dizer a tanto que se tem de dizer perdemo-nos ali mesmo, no mesmo lugar, no mesmo chão, lado a lado e ainda assim tão longe! A tua mão não me guiou a eixo algum e eu quis parar. Aninhei-me no chão e senti que fizeste o mesmo. As nossas mãos, numa só, aparando as arestas das distâncias intransponíveis e delineadas por nós próprios num simples lance mestre de inexperiência. Nas nossas mãos… a nudez.

A nudez de tantos corpos sem fim. Já não eram somente os nossos, eram vários e de discrepantes formas e feitios. De não saber o que fazer a tanto corpo espalhado sobre todas as divisões desta casa, sobre os corredores, sobre os tectos e sobre o chão paramos! Sem início e fim. Partes em partes, sem parte alguma. Sem corpo que se pareça com o nosso. Juntos ou separados. Parece que ao calar engolimos um fantasma que sabe todas as moradas dentro de nós e acabamos assim por nos perder um do outro. Os seus dedos brancos e longos escutam as nossas falhadas promessas que já não dizemos. Um ao outro. A ninguém. Não há, deixou de haver. Alguém. Tanto silêncio para tanto corpo junto… Apesar de sentirmos o luar banhar-nos pela mesma janela, não sabemos o fim ao resto e perdemo-nos no início.

Sunday, January 18, 2009

SEXUAL RELEASE:

É o paraíso na Terra. Milhões de dedos esmagam-te a cara e afagam-te o cabelo. Não há tempo para a hesitação. Não há razão para a moral. A pele crepita, sentes a febre a chegar, arranhas a pele até rasgar mas isso não faz parar a tua demência. O arrepio não se trava só por morderes os lábios e te concentrares em coisas más, ele continua, continua ao ponto de deixares de sentir qualquer toque. És desejado, e esse desejo do desejo passa a viver em ti. Cuidado… Consegues sentir? Não sentes por causa do suor, não sentes por causa do latejar do teu batimento cardíaco. Consegues ver? Tu não vês, taparam-te os olhos, não foi? Consegues ouvir, pelo menos? Não! Não ouças, não ouças as respirações, não te atormentes, ouve o piiiiiii… que fica a zumbir na tua cabeça e ri-te estridentemente dele.

Tuesday, January 13, 2009

"O coração, se pudesse pensar, pararia."

Considero a vida uma estalagem onde tenho que me demorar até que chegue a diligência do abismo. Não sei onde me levará, porque não sei nada. Poderia considerar esta estalagem uma prisão, porque estou compelido a aguardar nela; poderia considerá-la um lugar de sociáveis, porque aqui me encontro com outros. Não sou, porém, nem impaciente nem comum. Deixo ao que são os que se fecham no quarto, deitados moles na cama onde esperam sem sono; deixo ao que fazem os que conversam nas salas, de onde as músicas e as vozes chegam cómodas até mim. Sento-me à porta e embebo meus olhos e ouvidos nas cores e nos sons da paisagem, e canto lento, para mim só, vagos cantos que componho enquanto espero.

Para todos nós descerá a noite e chegará a diligência. Gozo a brisa que me dão e a alma que me deram para gozá-la, e não interrogo mais nem procuro. Se o que deixar escrito no livro dos viajantes puder, relido um dia por outros, entretê-los também na passagem, será bem. Se não o lerem, nem se entretiverem, será bem também.


in Livro do Desassossego, de Bernardo Soares (heterónimo de Pessoa).

Thursday, January 8, 2009

Débito em conta mental.

Usando um quanto basta de egoísmo, um jogo elaborado de sombras nas memórias, uma falta total de amor-próprio e temos uma bela receita de autodestruição, subtraindo todo o envolvimento pessoal, aumentando o isolamento, tornando a tristeza num ópio, tão viciante como apaziguador. Foi essa equação que descobri para criar uma fórmula que me permitisse ficar bem esquecendo-me de que isso traria ainda mais dissabores, pois estava assim a privar-me de viver naturalmente. De que me interessa ter coração se não o sei usar? Mas explico isto como se de alguma forma a noite passada que por mim trespassou deixou pintada em mim a escuridão dela. Mais uma vez eu preferi dar um pontapé à minha sorte, tudo às custas do meu orgulho intragável. Podem colocar o meu débito numa qualquer conta… pode ser na mental, vá… porque quando a mente colapsa o corpo vai atrás. Houve um momento claro em que não me conheci através das minhas letras e elas ainda assim continuavam a rebentar pela ponta dos meus dedos. Não era demasiadamente óbvio pois eu não pensei, nem pensei em pensar sequer no óbvio da reflexão, mas uma perspectiva para ver se encontrava em mim algo que me desse força e entendimento, já que de ti tinha tão poucas porções disso. A verdade é que eu passei por um mau bocado anteriormente, quando tentei de deixar de ser eu, só conseguia ver apenas o monstro que precisava de apoio, e não era capaz de me pôr bem sozinha, como sempre o soube. O cansaço deixou-me cega e não via mais nada senão a minha própria monstruosidade e recalcamento. Eu tinha o meu propósito, a altura é que não foi a indicada, como nunca é. Aprendi da pior maneira, sozinha, e estou destinada à infelicidade talvez por vontade própria. Pouco se compara a aquela aparente força de ontem, algo incapaz de ser expresso fisicamente sem ser num acto altruísta, fugindo do meu bem-estar e encostando a ideia do bem-estar do outro com quem estou. Mentalmente apoio-me tendo apenas a memória do que foi ser outro alguém sem ser eu para que pudesse deixar de sofrer. Calma… como posso eu ter calma? Tudo acontece num momento tão rápido, e depois evolui para um processo tão lento e doloroso que eu tão fundamentalmente conheço. Mantém contemplar-se a morte física num momento próprio para isso mesmo, culpa… mas eu não tenho culpa de me terem deixado a casa em ruínas que sou, eu sou e estou escurecida e os olhos que me diriges vão acabar por te mostrar com nitidez que, aqui, só restam estilhaços da parede-mestra do palácio que te prometi com a minha aparente calma, segurança e força. Mas eu não sou a simulada ostentação de felicidade que projecto, eu sou a verdade desta encenação, criada para te fazer crer que coabito como gente quando no fundo sou insaciável nas exigências de distinto e exclusivo de alguém que consiga querer. Eu sei, eu sei que não atingi a imortalidade do sucesso, mas antes a mortalidade do fracasso. Escolhi a alma utopista e esqueci tudo o resto que a unifica a um corpo, falta-me transparecer a espontaneidade e afecto, em vez da impulsividade cega e dilacerante. Falta-me a calma e o sossego para deixar crescer a surpresa. Acabo sempre por tropeçar na mesma pedra, tudo se resume a um ciclo, é inevitável ceifá-lo. E por muita vontade de lutar, por muita experiência que se tenha, nunca se habitua à dor. Penso que seria mais fácil não as ter, pois quando a dor volta nunca estamos preparados e caímos sempre na tentação de cair. E se… tudo tivesse corrido de uma outra maneira na qual todos os pilares da minha suposta base mental permanecessem intactos ao invés de derivarem para um apocalipse louco de raiva e auto-defesa. Entrasses tu na minha mente debitada e compreendesses o porquê dos meus pontos de interrogação e estridente temor de seguir passo-a-passo um dia atrás do outro no meio de uma dúvida e indefinição. Eu quero o palpável, não me condenes, não me condenes por apenas desejar viver contigo a meu lado sem ser no mundo da ideia e do incerto. Cansei-me desse mundo durante os últimos anos. Eu sei que também não és o dono da culpa… mas eu obliterei todas as estruturas e preparei todos os meus discursos nos quais em fingia dormir para afinal permanecer acordada a pensar. E foi assim mesmo que a noite passada se decorreu… a pensar nos talvez e nos se… a pensar no improvável. A pensar nas certezas… a pensar em tudo o que um dia morre e mais uma vez a querer esquecer aquilo que perdura e é o cálice de toda a existência.

You really want to know?

Some things are better left unsaid...

Friday, January 2, 2009

Cúmplices, em clandestinidade forçada.

Nalgum centro comercial não muito longe daqui, onde o espírito se eleva com uma boa dose de consumo, as objectivas das câmaras de vigilância viravam-se para a multidão reinante. As crianças a fugirem das mãos dos pais e a cada montra que viam suplicarem em birras tanto enternecedoras como irritantes um novo objecto com o qual pudessem saciar os seus caprichos. Os pais perdidos entre choros e balbúrdia misturavam-se na confusão para evitar de pensar na sua própria confusão entre treinar as suas crias aos hábitos do apertar de cinto e controlo de orçamento familiar mensal e ainda assim mantê-las satisfeitas. Os corredores de qualquer shopping por esta altura tornam-se mais assustadores que os da Casa de Espelhos; por muito que se olhe à volta é difícil decifrar seja o que for! Sem esquecer os pobres dos avós que se vêem também obrigados a participar na “saída em família” com o mesmo destino de quase sempre, à espera de atenção e convívio, mas que no final o que só recebem é o frenesi da demanda do materialismo. Qual rebanho perdido as câmaras filmam e detectam dois indivíduos que parecem fugir à regra, nota-se de longe o que os distingue pelo sorriso que ambos ostentam no rosto e pela própria velocidade do passo em que andam. Àquela distância pareciam bastante parecidos, ambos com o cabelo muito preto e estilo de vestuário casual e descontraído. Serão irmãos? Algo no modo como se comunicam diz que não. Não se trata, como é óbvio, da comunicação oral mas sim da linguagem corporal do casal. Nem é algo que se veja, pois ambos mantinham uma separação entre si e não caminhavam de mãos dadas, tal como possivelmente se preveria. Porém, sente-se na caminhada que conversam usando o gesto e o toque, envoltos em sorrisos de ternura. A objectiva da câmara, cada vez mais curiosa, foca-os atentamente e ousa aproximar-se de tal forma que adivinha as palavras que os seus lábios soltam. Os passos param quando ambos chegam a uma pequena galeria, que agora parece uma excelente forma de complementar um pouco de cultura a sítios tão fúteis quanto estes e que está tão em voga. Uma jovem chega-se lentamente ao casal, provavelmente com a mesma curiosidade que a objectiva da câmara e finge-se interessada na tela que ladeia o Magritte. Fragmentos da conversa chegavam aos seus ouvidos, já tinha conseguido quase tanto quanto a lente que os tinha seguido por uns bons minutos. Falam em voz baixa, quase que em sussurros e com a agitação imperante não se consegue decifrar o seu teor. Dava apenas para observar as suas expressões enquanto se falavam. Definitivamente há ali uma ligação muito mais profunda do que eles pretendem deixar transparecer. A dado momento, vê-se nitidamente o olhar dela quando levanta a cabeça para o olhar nos olhos. Sim, há algo mais, aquele olhar encerra carinho e entendimento. Ela olha-o como se mais ninguém existisse no mundo para alem deles naquele instante. A jovem atenta, calcula que ele retribui esse olhar com a mesma intensidade, pois um sorriso ilumina agora o rosto dela. A estranha aproxima-se mais um pouco e sorri para ambos, enquanto vê o mesmo quadro que eles. O casal responde o sorriso. Sente-se uma evidente tensão entre os dois corpos. Aquele sentir, por algum motivo, não o podem gritar aos quatro ventos, preferem vivê-lo assim, reservados, discretos e em silêncio… A frase que ele solta no ar é ouvida pela sujeita curiosa e cessa com as já poucas dúvidas dela acerca disso.

- Um dia, minha pequenina, vamos poder tirar os panos que nos cobrem. Tal como a eles.

Ao que ela responde:

- Por agora é um sufoco, mas ainda vamos ter saudades da clandestinidade, vais ver!

Uma gargalhada cúmplice brota das duas gargalhadas. E a jovem com clara vontade de lhes piscar o olho, como quem partilha um segredo, decide afastar-se discretamente.

Pintura: The Lovers, de Magritte.