Eu preferi assistir. Agarrei a minha cadeira e coloquei-me em primeira fila, vi-me em segundo plano a contrastar na tua própria cena. Desde o início que fiquei ali, queda e siderada, a ver-te mexer em todos os cordelinhos, a saber todos os teus próximos passos e promessas. Eu quis. E mesmo sabendo onde tudo isto nos iria levar eu mesmo assim quis assistir e participar submissamente, incrivelmente maravilhada pelo inesperado já profetizado. Eu preferi assistir até ao fim. Eu sangrei, eu ardi, eu explodi. Eu já disse que foi o que quis? Acho que sim… O tempo foi passando, e com o passar do tempo eu fui dilacerando, remoendo, enrugando, encolhendo. E tolerei e diverti-me e destruí o que havia à minha volta e deixei-me destruir só para te ver cair um dia. Tudo na tela a preto e branco. Tudo a cinzento. Cinzento... Cinzentos foram os dias nublados do meu ano de ouro, cinzentos foram os tons das roupas que usei, dos meus sorrisos que forcei, das minhas palavras. Cinzentas foram as minhas esperanças, cinzentas foram as cinzas do meu peito, foram as cinzas que abandonei. As cinzas que deixei repousar tantas vezes no meu cinzeiro. Cinzento... Haverá cor melhor? Melhor tonalidade do sentir que esta será que há? Não sei… Nunca provei outra até hoje.
Há os que controlam e os outros que são controlados... e são moda. Talvez eu quisesse ser moda, talvez, talvez eu quisesse deixar-me controlar sem nunca perder o controlo próprio. Passa nas notícias constantemente, e nós mudamos de canal. Talvez o futebol se prove mais interessante do que saber as verdadeiras razões que levam alguém a perder o controlo total. Ou talvez as pessoas saibam de antemão... Será que eu sabia? Talvez realmente ninguém queira saber porque no fundo todos sabemos o que é perder o controlo. O que me sugere conseguir manipular a minha completa perda de controlo, se nem sequer consigo encontrar a porcaria das aspirinas? Eu sei que as deixei ao pé das chaves e se fiz isso foi porque já sabia que a hora estava próxima. Aspirinas chegam... Um placebo chegava, preciso de simplesmente dar a algo a identidade de salvador. Não as encontro.
Ninguém pode assistir a uma cena que se classifica como O Degredo, mas eu preferi ser a primeira e a única a assistir. Aí no meu Degredo eu sentia-me bem e sentia-me livre e podia deixar a minha raiva ganhar forma enquanto esmurrava o chão e rezava pelo fim... Pelo fim e por aquele par de aspirinas, raios, onde é que eu as pus afinal!? Eu assiti. E foi ontem que tudo aconteceu…
Ontem mataram o Amor. Mataram o Amor! Houve quem tivesse a destreza e a desumanidade de matar o Amor. Eu sabia que o iam matar! Eu sabia… Bolas, como eu sabia desde o início! Estava na água que bebia. Estava no ar que respirava. Estava no sol que me aquecia. Estava na chuva que me molhava. Estava na frequência de todas as energias que me envolviam. Estava no brilho das estrelas que via preencher o vazio da escuridão celeste. Estava no sossego de um lar, um doce lar como todos anseiam chegar a ter. Estava na confusão de uma estação, nas despedidas, nas chegadas. Estava no sorriso de uma criança, no seu terno e inocente olhar. Estava num abraço de Mãe. Estava no beijo de dois amantes. Ele estava por todo o lado! E em todo o lado o olhavam com desdém e inveja. Eu sabia… Eu sabia que iriam matar o Amor.
Ontem mataram o Amor. Mataram-no… E eu deixei. Eu deixei. Merda!, eu deixei que matasses o meu Amor e nada fiz. Foi desde início. Foi até ao fim. Ontem mataram o Amor… Conseguiram…conseguiram desfazer-me e nem o silêncio da noite ajuda agora. Eu não vou sair de casa para comprar tabaco. Não vou sair de casa para ir a uma farmácia para arranjar as malditas das aspirinas. Não vou sair. Eu não vou sair. Eu não vou querer ver ninguém. Não vou querer falar. Não. Não. Não. Não quero mais. Eu já não acredito Nele. Já não acredito… Quero parar. Eu quero parar aqui. Ontem mataram o Amor. Quero nascer de novo. Eu quero ser outra que não eu. Porque o meu Amor era único e só eu o tinha. Eu quero parar aqui. Queria tanto parar aqui… Foi ontem, ontem o Amor morreu, quem o matou fui eu.
2 comments:
Pois cinzento, não é uma cor feia não, e por vezes é a unica que vemos e sentimos.
Mas quantos de nós não queremos ver sempre ate ao final, mesmo sabendo qual o desfecho?
Sim nasce de novo, vais saber que o fizes-te quando olhares a tua volta e vires a tua sombra de outra cor que não cinzento.
Adorei este texto, acho que foi o que mais gostei ate hoje.
Abraço
Sim, foste tu que o mataste.
AF.
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