E a incerteza espezinhava uma identidade já desgastada, semi-destruída pelos dias, corroída pelas horas e riscada pelas milésimas de segundo a que a rotina me foi corrompendo. A ansiedade queimava toda a certeza e desenhava um círculo fechado, a minha redoma de aço seria um circuito de incertezas que abafava qualquer decisão, como uma muralha erguida impossível de derrubar.
Repentinamente
surge em mim o rosto da mudança, a presença de alguém que não se cansa em
repetir o meu valor, seja lá ele ilusório a meu ver ou não, parece ser-lhe
apreciado sem qualquer dúvida. Não o pertenço sequer e no entanto exijo com
todos os poros da minha pele que seja ele quem me rapte deste relógio parado e
me mostre o mundo sem medo.
Assolada
por uma espécie de sorte nula cultivo o chão inerte abaixo dos meus pés para
traçar uma estrada única que me leve a ti. Um caminho enlameado, cujos meus
passos entorpecidos estão em piloto automático e simplesmente seguem sem
qualquer hesitação, para o lugar onde as tuas mãos esperam as minhas.
Num estado
de emergência cubro-me com uma capa de etérea vergonha e lágrimas que me gretam
a pele de cada vez que grito a tua existência. Carrego a vontade e o sonho às
costas. Passos pesados, vista cega, mas sentidos desmesuradamente apurados. A
liberdade do despudor é o veneno que eu teimo em procurar no teu olhar e invés
disso apenas vejo reflectida em bocados de espelho partido a imagem da minha
decadência, encardida de um sentimento obsessivo. Um vislumbre turvo que teimo
em me desacreditar para conseguir coexistir neste espírito sem lhe vomitar em
cima.
Nessa
órbita que me parece interminável, demente e tão inócua de perversidade perco a
minha forma de menina inocente e ganho a nova feição de uma guerreira sem lei.
Que não tentem deter este meu corpo morto cuja alma ficou suturada à tua!
Comum seria
encontrar uma gruta fleumática à minha espera, na dita meta da minha perdição, contudo
desta vez me parece que em vez de encontrar um deserto árido irei encontrar o
porto de abrigo perfeito para me proteger de todos os fantasmas. Os que sempre
me pertenceram e os que ainda nem foram baptizados.
Preciso da
luz que escorre do toque dos teus dedos no meu rosto para me guiar neste
caminho onde me pareces ainda sempre tão distante. Bem sei que sou eu que te
empurro para longe, apesar da minha perpétua vontade ser a de te agarrar num
abraço onde as respirações morrem e os semblantes se fundem num só.
Calma, que se enterre a incerteza, não irá precisar
sequer de um funeral! Ninguém sentirá a sua falta, muito menos eu.
Reorganização,
vou precisar de um ajuste, mas sem confronto patente o trago que sinto na boca
é tudo menos doce.
Gostava de poder tirar estas amarras que me prendem os
movimentos e me cosem os membros ao chão.
Queria conseguir continuar a semear a
calçada para chegar ao teu encontro, mas ouvi dizer que o meu funeral está a
ser celebrado.
Dizem que a incerteza entretanto me matou.