Ok, ok… eu admito. Eu tornei-me na minha maior inimiga.
Hoje, eu não sou eu. Hoje acordei louca, por vezes eu sou de facto louca no corredor da minha inocuidade, enquanto o percorro ponho-me a pensar no que sou, no que faço. Quando olho para esse corredor, dentro de mim, vejo a entrada para duas salas onde numa está uma eu e noutra está uma não-eu. Afinal qual das duas serei eu verdadeiramente? Fantástica questão, eu pergunto-me. Incrível imposição, a de querer entender sempre tudo. Eu pertenço-me, dilacero-mo, logo existo e antes disso conjecturo. Da forma mais negativista, mas não interessa. Hoje acordei agoniada, hoje acordei morta. Evadi-me para onde me apeteceu e fiz-me de mim outra. Eu sobrevoei, eu ri, eu aterrei. Mas como? Olhei à minha volta por uns últimos minutos e apercebi-me de que estava tudo igual aquando fechara os olhos, nada tivera sido distorcido da realidade. Será que era eu? Ou eu aqui? Será que já não consigo mais morar em mim ou comigo aqui? Concluo que sim, que sou sempre eu que distorço a realidade por vontade própria. Mas qual realidade? Será que em qualquer outro lugar tudo aconteceria normalmente ou sou eu que já não sei acontecer? Será que esgotei? Ou saturei? Será que me enjoei, cansei e já não me consigo suportar mais? Como acabo sempre por sentir pelos outros… Será o quê? Será que só aqui eu não me encontro? Não me encontro. Um fantasma a rondar a minha casa? Ou uma outra alma que se encostou à minha? Não entendo. Não sei o que faz falta. Ás vezes sei, mas teimo em manter a ideia que as coisas têm de ser assim porque se foram assim um dia então não têm que ser de uma outra forma. Mas sinto a falta de um ânimo que me fugiu. Sinto a falta da intensidade que sempre morou em mim. Sinto falta deles, delas, dele, dela, das euforias e gargalhadas, da liberdade e despreocupação. Sinto a falta de um movimento que parece que desacelerou na minha vida, mas que curiosamente sinto que sucedeu porque eu decidira abandona-lo. Parece que preferi não vê-lo mais, como se estivesse sempre ao meu lado mas a minha miopia propositada fosse demasiadamente elevada para me permitir discernir tal. E depois de todas estas conclusões sinto revolta, porque olho e não vejo. Na verdade, eu preciso de uma revolução, não sei se aguento ate lá, ate porque quando esse lá chegar pode nada mudar. Sinto-me presa. Presa a protótipos, a necessidades, sensações, pressentimentos e recordações. Dia após dia, a uma existência que não me pertence mais e eu insisto em vivê-la, totalmente presa. E pela primeira vez na vida reconheço a carência mais que urgente de dar um salto já, para um abismo ou superfície, mas mais que tudo para um abismo desconhecido. As varandas desta casa chamam-me a atirar-me qual esfera submergível, porém não me persuadem pois já conheço o seu chão. Eu quero apagar-me. Já que não sou soldado, nem sei combater com coragem após ver sangue derramado, prefiro ser artista e reinventar-me de novo. Começar o ciclo todo de uma vez, para que ele me embriague com o sabor da novidade e não me traga o acre da dor e da saudade, o fútil da comparação e o fastio da repetição. Sinto a falta de um nada e de um tudo. Sinto a falta de algo que se calhar nunca tive, nunca aconteceu, ou que se calhar já está a acontecer. Provavelmente sinto a falta de arriscar, de simplesmente viver e não me preocupar com toda esta treta. A vida é um círculo fechado. Acabamos sempre por voltar aos mesmos sítios. E quando não voltamos, os sítios regressam a nós em forma de dejá vu. As pessoas que conhecemos entregam-nos a lembrança das que outrora conhecêramos. Ás vezes basta um toque, um cheiro ou uma palavra. Ás vezes, deixam-nos um sorriso, uma lágrima, ou simplesmente a saudade. Mas cabe-nos a nós alterar os círculos viciosos e reinventar o viver!
Eu já não estou ali. Eu estou aqui. E o momento já passou, deixei o meu demente corredor branco. Ficou o tempo que estava ainda para chegar. Eu já não estou ali e isto está realmente a acontecer. Eu queria ser outra que não eu, ou de outra forma estouraria, mas afinal desta vez vou tentar arriscar, vou tentar viver, comigo e com a outra de mim. Aprender a gostar-me mais, para conseguir gostar de alguém de verdade. Não vou deixar cansar-me de ninguém, nem mesmo de mim própria. Tu queres-me? Então, procura-me. Vem encontrar-me. Eu tenho estado à tua espera. E nada… Nada. Nada. Vem, meu amor… Eu estou pronta. Eu agora já estou pronta.
Tudo no seu sítio certo. Cada dia como se fosse o último.